terça-feira, 28 de julho de 2009

De que me vale...?

De que me vale saber o seu nome e o que vai dentro da sua alma? De nada vale, pois que seu aspecto externo, a visão que tenho de você, e até mesmo da idéia auditiva que tenho do farfalhar das mangas de sua blusa sobre sua pele e do seu sapatear nos passeios já são tudo o que quero? E ainda assim teimo em não querer, por querer tanto assim esse externo que o envolve numa aurora ou num crepúsculo de mistério sem mistério algum, senão essa imagem que me submete em pensar em ti em qualquer instante e em instante algum... De tudo valeria se sua alma fosse alguma expectativa minha, mas em tudo sou confusa e infiel, posto que do seu externo penso românticos os gestos, mas em suas palavras dói-me a alma por serem às vezes ríspidas e impositivas. Assim, de nada continua valer tê-lo de corpo e alma, mas apenas vale essa bruma que o encobre pelos caminhos que visito e imagino. E de tudo, vale-me tanto a emoção que sinto ao pensar em você, nem belo, nem feio, mas de um feitio aterrador e inspirador para minhas ânsias sexuais, mas sempre e eternamente emocionais e textuais. Por isso, esse seu externo me toca tanto, esse seu personagem sem alma, sem nome, com quem posso criar qualquer roteiro, de chegada ou de partida, mas verdadeiramente sempre de partida, pra voltar com outras vestes e farfalhares de mangas e braços pendentes de abraços, e ombros ligeiramente projetados no ir e ao mesmo tempo caídos ou a volver para trás...De nada vale saber de dentro de você, porque só dentro de mim você se faz e se refaz no mistério, na curiosidade, e até no pensamento exato que se formou em qualquer tempo em minha mente, ou em outra qualquer que eu tenha roubado, e levianamente e inocentemente pensei que pensei...De nada vale ter você completo por fora e por dentro, pois tudo vale só pelo meu pensamento de você...desse externo e de todas as cores que você veste; do branco sóbrio, do vermelho quente, do verde quase anil...ou mesmo da cor da pele, revestida de suores e cheiros imaginários...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Não vivo sem Pp(essoa)

Não consigo mais viver sem Pessoa
Mas o Pessoa Fernando
Esse eu sinto e leio mais pessoa
Por isso não vivo mais sem ele
Porque por ele me ‘pessoo’ e me ‘desapessoo’
E se seu ‘desassossego’ foi tanto
Nele e com ele me desassossego
Sob pena de me sossegar
E me desapessoar
Por isso ‘Pessoo’ e ‘pessoo’
Não consigo mais viver sem pessoa...
Mas ele já vive sem mim algum tempo
Sempre viveu algum tempo
Em sossego e desassossego
E se foi no desassossego de nada
E de tudo
Pessoou tanto
Que pessoa eu e você
Até os Fernandos sem pessoa...

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Até que os olhos se fecham...

Era uma perfusão de imagens fundidas em uma só, e ainda assim múltiplas, de facetas sérias e sorridentes. Não saberia precisar a exatidão e nem a inexatidão daqueles momentos de mirar-lhe o rosto, por vezes ranhurado das pregas do sorriso, por vezes retesado como um monólito; e por traz daqueles óculos, um certo olhar comprimido, como se fizesse um movimento de acendimento qualquer, pra ver melhor aquilo que diante de seus olhos poderia ser mera ilusão, ou simplesmente a tentativa de driblar o embaçamento das lentes de grau ou a penumbra das lentes de sol. A face se colocava também num relaxamento involuntário e os lábios entreabriam, mostrando os dentes incisivos principais desalinhados com os outros, em posição de riso brando, contemplativo. E as mãos buscavam a curva do ombro ou qualquer pedaço de pano pendente de sol ou luar, sem saber se queria vestir ou despir aquele momento de todas as intempéries do olhar e da audição. Não queria ser visto, mas ver e tocar o lapso de encantamento; encontrar alguma acertiva para os pensamentos involuntários que rondavam seu corpo, e a mente precisava conter o gesto que de tanto se fazer, desfazia-se num respirar vago e incrédulo. Incredulamente passava aqueles momentos diante de imagem meio obtusa, irritante e até ordinária. Credulamente se postava e pedia um afago qualquer que fosse pra crer naquele instante de divindade e afeto, de sonho refeito no último momento, ressuscitado. Roçava-lhe vagamente a pele do pescoço, num átimo, insuficiente para o gosto e o cheiro serem guardados, senão um único fechar de olhos, quando qualquer um aninha-se no outro, como a dormir na instantânea fragilidade de olhos fechados...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Movimento fatal

Poderia escrever algo sobre aquela pipa preta vagando sobre o céu...Sim, poderia pensar na dança da ave negra e do planar solitário no azul, e descrever das mãos do menino naquele movimento firme e rítmico para manter a sensação alada; o vento a bater forte, a pressionar os quadrantes plásticos de uma transparência quase de asa. Alguém me disse algum dia que eu poderia grafar sobre qualquer coisa, até sobre a bula de remédio, já escrita e revolvida por olhos de comiseração por tantas contra-indicações e efeitos fantasmagóricos sobre os patógenos, que nossos olhos só podem ver às custas de cultivos mirabolantes, adocicados, e em grupos de magia colorida e fétida...Poderia discorrer sobre aquela desconhecida mulher grisalha apoiada no meio fio com olhar tenebroso e perdido de coragem, de só estar ali sob a mira dos olhos chocados de interrogação...Poderia dizer em palavras rotineiras da repetição do trabalho do escritório, dos ares de respostas obrigatórias, dos atendimentos telefônicos e das faces escondidas sobre a docilidade da voz, da pilha de papéis inertes e esquecidos sobre as mesas e do barulho insuportável do ar condicionado e dos carros lá fora...Poderia falar de qualquer coisa e grafar com ares poéticos...Mas sinto uma vaguidão qualquer e um sentimento de dizer e escrever o que ninguém jamais escreveu e mesmo assim, forçosamente, devo admitir que tudo já foi dito e escrito, e isso também já foi dito e redito... Pobre de mim, mas sonho e queria vestes irreconhecíveis pra que as histórias soassem novas, e as palavras estivessem ali feito leito manso de rio, a receber corpos animados e inanimados a transbordá-lo de outras vestes...Mas escrever essa primeira veste que se reveste irremediavelmente de outras eu queria...Queria não me identificar com nenhuma escrita, nenhum dito, e me apossar da palavra última, pra que ninguém mais a dissesse em qualquer combinação que fosse, pra não amargar o sofrer de imaginar que ela está lá de alguma forma. Queria a palavra esquecida e lembrada apenas por um instante, repetida sem lembrança de ser repetida...Queria e não queria, porque ao mesmo tempo que me toca o afã da originalidade, tocam-me também as reedições dos pensamentos, dos livros que nunca pensei fossem ler de mim ou de qualquer outro pobre fazedor de historinhas que fosse...porque foi dito e não foi dito está em qualquer lugar, na memória esquecida e nas virtuosidades da lembrança, do aconchego, do reconhecimento da palavra cotidiana, do afeto e do desafeto com a palavra...e o estranhamento da palavra é só um entrelugar que se desfaz e se refaz, e a ida pro lugar estranho e o retorno pra esse mesmo lugar já reconhecido é um movimento fatal de qualquer fazedor de histórias, vivedor de histórias...

quinta-feira, 16 de julho de 2009

(In)exata cadência

Sofro. Sofro pela falta de momentos de desgarramento de mim mesmo. Preso na inconstante e forjada imaginação, me tomo de todas as delícias que a realidade não me permite, não me concede; porque também não se concedem delícias a ninguém, senão a um personagem qualquer, iludido no viver da realidade inexistente. Gostei de você, confesso! Gosto! Mil vezes confesso! Mas sem saber e crente ao mesmo tempo, certo como um devoto. Contudo, só o soube muito além da devoção e das possibilidades várias, irremediáveis e até improváveis.

Era tudo meio nebuloso mesmo, e ainda continua assim, escuro feito nuvem cinza, porém vagante, deixando o céu a descoberto por instantes. E nessa escuridão e por esse clarão, chego a sentir por momentos a solidez de um sentimento, irreconhecível, perdido e achado, perdido de novo e encontrado num lapso, num anuviamento da mente.

Agora tenho que admitir; gosto de você de um jeito estranho, não porque intuo que você não gosta e teimo em querer impossibilidades, mas porque você parece ter gostado de mim um dia, mesmo sem saber; disse que não sabia em olhos de interrogação; disse que sabia em olhos de contemplação.

O gostar de você, simplesmente, é o gosto do gosto dos pensamentos que me tomam todas a manhãs e em todas as horas que se fazem manhãs entre sono e lucidez, quando adormeço, por querer e não querer. E nos dias frios, em que o vento corta os intervalos da trama da lã da blusa, enrigela tudo por dentro, e a alma sonha sonhos de você. Algo que parece já ser o cume de uma geleira, apercebe-se quentura, por isso sente o gelo.

Até o cachorrinho castanho deitado na calçada imensa, com um tomate maduro, rubro ao extremo, diante de si, provoca-me arroubos de calafrios e febre, enquanto você me vem em passos firmes e entrevejo seus lábios vermelhos, quase fruta a derreter. E aquele senhor da vila, sentado na mesma calçada larga, encolhido, encurvado com seu cortador de unha a postos, extirpando as partes mortas, lembra-me ao longe uma fotografia de um parque distante, de alguém que não veio pra ficar, e dentro de mim se faz vila de outono, com folhas caídas, nariz enrubescido e olhos lacrimejantes.

Lembro-me de você e tenho dúvidas sobre se lembro de você ou do que imagino de você ou de mim com você, inimagináveis imagináveis, como num filme, a exata ficção; como na realidade, parca fragmentada, na (in)exata cadência do sentir.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Caminho matinal

Todas as manhãs ele a acordava com aquele suave roçar de lábios em cada meandro, em cada curvatura e reentrância de seu corpo ainda sonolento. E ela se punha quase inerte; temia que seu movimento o fizesse recuar. Era quase um despertar de cada sentido, como se ao final daquele ritual despudorado e delicado, ela finalmente acordasse com sensação de completude, com a percepção de cada parte e o todo, por vezes, até reconhecível. Era esse mimo de todas as manhãs, antes do sol se erguer por completo, que refazia as desajeitadas palavras, as indiferenças do dia a dia, que nem de longe se pareciam com aquele toque matinal, quase um nascer de nervos e capilares inertes, massacrados no quotidiano, e mesmo da noite de gestos urgentes de um prazer, de um instantâneo, de um apagar da memória e de um respirar ofegante, quase egoísta. Mas aquele caminho dos lábios pela manhã o redimia e o cobria de uma aura qualquer, de uma quase arqueologia a cada dia, dos cheiros, dos suores, da temperatura, da textura e das divagações lineares e obtusas de cada conjunto muscular, das tremuras e suspiros da pele e da alma no entressono. Tudo se reencontrava ali naquele instante, e ela despertava e se fingia de sonho, enquanto ele farejava sua superfície meio atônito, mas a controlar a exata tensão para não acordá-la...pra não cessar a noite, para não nascer o dia; para fixar-se na relativa luminosidade da aurora...e esquecer-se do ocaso...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Depois daquele tempo

Depois daquele tempo, em que a juventude já passara, mas ainda sobravam alguns resquícios, as pupilas brilhantes, os olhos meio rasos ao acordar...
Depois daquele tempo, quase um tempo milimétrico diante da imensidão das horas incontáveis, irreprimíveis de tantas vivências, os olhos subitamente começaram a mergulhar em poço fundo, suas órbitas ganharam bordas arroxeadas...
Depois daquele tempo, em que o sorriso se abria em músculos bem assentados, em gordurosas bochechas e covas, o riso começara a ficar solto, sem os limites aconchegantes de tempos outrora...e a graciosidade das marcas esculpidas desde o nascedouro escapavam...
Depois daquele tempo, os ossos da face já eram indiscretamente visíveis, marcando ângulos antes submersos; praticamente era possível entrever o esqueleto frágil, a verdade óssea camuflada...
Depois daquele tempo, o espelho não devolvia mais aquela imagem suave, de contornos agradáveis e harmônicos; via-se agora a irrupção de qualquer coisa, não se sabia qual, de passar e não voltar...de flexibilidade débil, como um esgarçamento qualquer...
Depois daquele tempo, o sono não servia mais de elixir e o rosto retornava até em pesadelo; sôfrego, não trazia mais o gesto do sonho encantado...

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Algo mejor!

Tienen que conseguir algo mejor! Adamina de Las Casas esbravejava com a nora bem na descida do morro. Bem altas as duas, pareciam quase as extensão íngreme daquela rua que ia dar exatamente na vila onde o filho de Adamina resolvera construir seu ninho de amor e sua oficina de circo. A reforma seguia lenta e ainda se entreviam as vigas que iriam sustentar as paredes sobrepostas. As superfícies aos poucos iam ganhando tons alegres de cor, amarelo, azul e vermelho. Na porta, a kombi, mimetizada de palhaço, parecia mais um da trupe, e os olhos de Adamina cada vez mais estilhaçados de tanto terror. Pois então, não havia vindo de Buenos Aires exatamente pra ver todos bem acomodados? Artistas tão talentosos deveriam mesmo fazer muito sucesso no Brasil. Os projetos se multiplicavam; era visível naquele espaço pouco aconchegante. Ali se amontoavam pernas de pau, vestimentas, perucas, lonas e várias fotos na parede. No chão uns colchonetes e nas faces as almas repletas, mas Adamina ficara injuriada; Tienen que conseguir algo mejor!

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Vinho

Vinha na mão aquela taça
De vermelho uva
Doce e alcólico
E você descontrolava palavras
Soltava riso e choro
Soltava imensa confusão

Vinha na mão vinho
Em taça firme e escorregadia
De líquido denso
Na língua faminta
Ardor de desilusão acre
Fulgor de ilusão açucarada

Vinha vinho naquela taça
Num tom bonina
Escuro sangue
Desaguando entredentes
Beijo liquefeito
Engolido
Acolhido ninho
Temido vinho
E a face enrubescida
Viva em desalinho