quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Tempo tardio

O tempo a conduzia forçosamente para lugares inóspitos. Alguém diria; ‘tempo tardio’; e ela remendava; ‘isso custa, mas é o custo que inebria e vem com o tempo, o tempo de qualquer um que seja’. E o tempo corria vertigem, atropelava os sentidos, e os sentidos quedavam em falha, e lá ficavam no cofre sem chaves. Bastava o mínimo movimento na tampa da caixa preta para sentidos sublimarem em cores no ar pesado das gotas de lágrima, dos infinitos poluentes, entidades a condensar sentimentos. Sentidos no ar a escapar de pandora numa dança frenética, insana; mergulhos em abismo seco em direção ao fundo da terra dela mesma, cheia de calcário e insalubridades férteis de fazer pensamento. E o tempo se perdia no pensar obtuso, nas suspeitas sem comprovação, nos ideais de afeto, nas crenças perdidas. E o tempo se achava também nos carinhos diários de perguntas que esperam respostas, sorrisos largos e silêncios absolutos, daqueles que não pedem o som. Tudo se misturava nesse tempo tardio, precoce na alma; afeto e descrença; chocolate e pimenta. A boca salivava e o nariz coçava em vermelhidão até espirro sair; seu corpo todo um refletir, sintomas de alguém no tempo tardio, no tempo reivindicado de ser, de sentir. Os olhos avermelhados de capilaridades, olhos sanguíneos para ver cenas de um lugar qualquer fora do tempo, dentro do tempo tardio dela mesma.

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