domingo, 18 de janeiro de 2009

Cada dia

Casara-se com Francisco há cerca de quarenta anos; homem forte, trabalhador, limpo. Agora ficava lá na cama, inerte, mas era bonzinho, aceitava tudo que lhe davam; banana amassada, sopa, alimentos previamente liquefeitos, para ajudar os movimentos peristálticos prejudicados. Wal fazia o que podia pelo marido, mas incomodava-se com aquela situação, vinha uma tristeza, um aperto no coração. Francisco não havia sido um marido desses exemplares, muito pelo contrário, porém tinha suas qualidades e era bom pai. Os filhos a ajudavam na lida com ele. Estranha doença o acometeu; segundo os médicos um tumor silencioso tomava conta do seu cérebro, e assim suas funções iam cada vez mais se perdendo, sem, contudo, lhe provocar dor física. A rotina era cansativa; banho de leito, troca de fraldas, alimento na boca, e na saída ele puxava a gola de Wal como que dizendo ‘fica’. Um dia também apertou com força a mão de Márcio, seu filho, no tom ‘gosto muito de você’. Wal dizia; a gente vai levando como pode, mas se assustava mesmo é quando o marido pegava no sono. Ficava olhando o pulsar da blusa que ele vestia, se o coração ainda batia. Todos os rancores naquele momento pareciam menores; ela não queria que Chico se fosse, ninguém queria. Sensação estranha essa do costume com a vida, mesmo frágil, quase a desaparecer. Todos na casa se revezavam nos cuidados, se consumiam nas incertezas dos gostos dele, se a temperatura e o sabor o satisfaziam, se o corpo estava bem acomodado. Ficavam mirando os olhos dele à procura de respostas. Faziam o que podiam, o que não era pouco. Mas a sensação era eterna impotência, mas ao mesmo tempo um viver pleno no cada dia.

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