Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
quarta-feira, 13 de maio de 2009
Baleiro
Ele vinha sempre naquela hora, bem no finalzinho da tarde com seu apito estridente, imitando um chilrear de ave, um grito de águia. O carrinho do baleiro tinha toda sorte de doces caseiros, balas, pirulitos, chicletes, pipoca à isopor e pequeninos brinquedos de plástico, que aguçavam todas as crianças da rua. Chegavam os olhinhos curiosos na vitrine e viam lá quase um paraíso de delícias. Na mão o trocadinho suado, implorado em casa, e na mente a expectativa de experimentar cada sabor. Lilinho era comprador inveterado, já ficava agitado na hora do baleiro, era o momento mais esperado e feliz do dia. Planejava as compras semanais ao sabor dos olhos e assim ia fruindo um doce de cada cor, de cada formato. Às vezes o menino desatinava tanto que dava bocadas alternadas sem saber ao certo qual era o doce, de forma que os sabores se confundiam e ele no outro dia parecia experimentá-los pela primeira vez. As outras crianças faziam a conferência da compra do Lilinho; havia umas que até copiavam, entravam na onda dele. Achavam a estratégia fabulosa, cheia de artimanhas. Cresceram assim na toada do baleiro, de açucares grudados nos dedos, impregnando línguas de lambidas ávidas, os olhos adocicados...
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