sexta-feira, 19 de junho de 2009

Linha círculo

Nada mais lhe tirava tanto o sono como a incerteza. A dormida era entrecortada, poder-se-ia dizer um dormir cansado como um susto vago, sem explicações plausíveis, senão a dúvida. Afonso aparecera do nada e ela tinha medo que desaparecesse da mesma maneira, que deixasse apenas lembranças frágeis, imagens borradas. Sua cabeça pesava de uma densidade desconhecida, quase um planar e afundar de súbito; um entrelugar, não daqueles lúdicos, misturados, carregados de saberes sobrepostos, pendulares, num vai e vem inconstante e inevitável, mas um pesar sem encanto de fronteira, angustiante. Sua vida andava calma, sem novidades, e ela finalmente descobrira que sua própria existência, sua família, seus amigos e suas pequenas conquistas do dia-a-dia eram um mundo, senão feliz, até razoável. Mas Afonso entrara e virara um tilintar impreciso, às vezes encantador e amigo, às vezes estranho e perturbador. Vinha aquela sensação do que viria a ser, de alguma fração escapada, a que se habituara, e ela sinceramente receava alterar e retomar expectativas que não figuravam mais em seus horizontes. Mas depois de Afonso, seu horizonte não era mais sóbrio e tênue a perder de vista, tranqüilizante. Era uma linha em desassossego, uma corda de brincadeira de criança, balançada à exaustão e deixada de lado, uma linha círculo, duvidosa.

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