segunda-feira, 13 de julho de 2009

Caminho matinal

Todas as manhãs ele a acordava com aquele suave roçar de lábios em cada meandro, em cada curvatura e reentrância de seu corpo ainda sonolento. E ela se punha quase inerte; temia que seu movimento o fizesse recuar. Era quase um despertar de cada sentido, como se ao final daquele ritual despudorado e delicado, ela finalmente acordasse com sensação de completude, com a percepção de cada parte e o todo, por vezes, até reconhecível. Era esse mimo de todas as manhãs, antes do sol se erguer por completo, que refazia as desajeitadas palavras, as indiferenças do dia a dia, que nem de longe se pareciam com aquele toque matinal, quase um nascer de nervos e capilares inertes, massacrados no quotidiano, e mesmo da noite de gestos urgentes de um prazer, de um instantâneo, de um apagar da memória e de um respirar ofegante, quase egoísta. Mas aquele caminho dos lábios pela manhã o redimia e o cobria de uma aura qualquer, de uma quase arqueologia a cada dia, dos cheiros, dos suores, da temperatura, da textura e das divagações lineares e obtusas de cada conjunto muscular, das tremuras e suspiros da pele e da alma no entressono. Tudo se reencontrava ali naquele instante, e ela despertava e se fingia de sonho, enquanto ele farejava sua superfície meio atônito, mas a controlar a exata tensão para não acordá-la...pra não cessar a noite, para não nascer o dia; para fixar-se na relativa luminosidade da aurora...e esquecer-se do ocaso...