quinta-feira, 19 de março de 2009

Abandonou a cidadela

Ela andava reticente pelas ruas, sempre cabisbaixa, em uma linha quase reta, não fosse a premência das curvas pelo caminho. Pensava sobre o que haveria nas casas, quase fortalezas amuradas, reservadas. Envergonhava-se de incomodar alguém com o olhar. Pensava sobre si, incompreendida de si para si, voltada para o fim. Até que um dia começou a virar o rosto, ainda meio desconfiada da luz dos objetos e das pessoas. Olhou para o alto e percebeu árvores imensas, postes imponentes de luzes quase lua; tudo pareceu a ela tão elevado, mas não assustador. Percebeu seu espírito livre, que os caminhos não precisavam ser os mesmos, que poderia flanar, perambular sem destino, longe das tormentas que assolavam sua mente, seu corpo, seu caminhar. Resolveu se meter em qualquer lugar e sair sem dizer até logo, mesmo sabendo que não retornaria. Voltou-se para todos que passavam com sorriso e cumprimentos suaves e, por vezes, curiosos. Deixou-se sentar em quase todas as praças e contemplou todo o vai e vem, todo o lúdico e erótico dos passantes e dos ficantes. Chegou quase a se esquecer de onde morava, de onde viera, até que se cansou e se lembrou, e voltou, mas nunca mais na disposição do fim. Sua casa se tornou também meio, de conversas ávidas, fartas de histórias; e ela sempre reservou um tempo para flanar, robustecer-se com a beleza das trivialidades e das excentricidades, dos humores do ar e do céu, dos encontros previstos e inusitados. A cidadela de sua alma se perdeu e se achou no entremeio.

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