terça-feira, 9 de setembro de 2008

Tempo Continente

Poucos são os momentos na vida em que temos a impressão que o tempo não é mais, não é menos; é apenas o tempo no seu curso espontâneo. Não corre e sai atropelando a gente; não passa monótono, irritante, dando a impressão de eternidade vã. Foi assim esse final de semana em Itaipava; tranqüilo e movimentado, com jeito de entrelugar. Conheci o anfitrião Rodrigo em Ilha Grande, exatamente em um passeio de barco, onde o tempo ao contrário do que se imagina, não passava modorrento, mas festivo, com um quê de realidade fantástica. Apesar de estarmos cercados de água, a sensação não era de ‘ilhação’, ‘solidão’; as pessoas se amontoavam, o sentimento era continente. E Itaipava pareceu-me mais continente ainda, desde o trajeto de ônibus.

Lá fomos nós, eu e prima Ana Márcia. Eu de olhos abertos, mirando estrelas vivas lá fora, estrelas do céu e estrelas baixas, luzes artificiais cintilando na bruma. Ana Márcia pelejando com o sono que não vinha...até que surge uma conversa curiosa no banco da frente. Não soube o nome da senhora, mas boa parte de sua vida ela contara ali no caminho, pra quem quisesse ouvir. Fizera tantos negócios, comprara pedaços de terra, trocara, fora enganada...mas o que mais achei interessante foi o formato verbal da traição fofocada... ela dizia: “ele ventilou no ouvido de fulano, perdi o lote...” Rimos tanto que relaxamos; Márcia desistiu de dormir e o sono veio; eu desisti de perseguir as estrelas.

Chegamos na Rodoviária de Petrópolis no sábado com o nascer do sol, retornamos à Itaipava e demos um tempinho pra ligar sentadinhas no murinho do terminal. Eu, mineira, um tanto desconfiada; Márcia mais despachada só no incentivo. Afinal de contas, conhecera Rodrigo muito pouco, quase rapidamente. Liguei e o menino da Ilha já estava acordado; veio prontamente com os mesmos cabelos de caracol, só que de voltas mais generosas, o sorriso...Foi familiar o encontro...não teve a estranheza do reconhecimento. Seguimos, nos alojamos em sua casa, mistura de coisas antigas e novas, sem ânsia desenfreada por consumir sem pensamento...tudo, cada objeto parecia ter um motivo.

O roteiro do dia foi montado ali mesmo, na base do improviso; a sugestão vinha certeira, ao gosto. Fizemos uma bela trilha no Parque Nacional da Serra dos Órgãos para conhecer a cachoeira do véu da noiva. Rodrigo mais esperto, suando cachoeiras; Ana Márcia habilidosa, mesmo de chinelos; e eu sempre mais lenta, precisando de uma mãozinha. Entramos na água fria exclusiva, comemos pãozinho de batata delicioso e bananinha adocicada.

Depois da trilha feita, a decepção do caldo de cana da dona Maria, que não rolou, até que seguimos para Corrêas, onde bebemos um chope, que desceu como água, e comemos uns pastéizinhos de angu com massa bem mais leve que a mineira. Seguimos para o Bordô, lugar mais fino, com corredorzinho para carros de pessoas elegantes. Lá, tomamos mais uma cerveja, agora de Itaipava mesmo, e experimentamos o primeiro croquete. À noite fizemos refeição em casa; macarrão à minha moda, picanha à moda do Rodrigo, sangrando; depois bem passada ao nosso modo. Findamos o dia no Nucrepe, barzinho de música boa, freqüentado nos velhos e novos tempos pelo Rodrigo.

Domingo foi dia de dar uma olhada em Petrópolis, conhecer a falante e simpática Monique, e visitar o Parque São Vicente, lugar para decolagens de asa deltas e parapentes. Almoçamos pão com lingüiça combinado com croquete no Alemão, e seguimos para os preparativos do show da banda do Rodrigo, a Serra Soul, no bar Nas Nuvens, lá mesmo no parque. As nuvens não deram chance ao pôr do sol, mas os pingos de chuva não foram suficientes para estragar a festa. Encerramos com pizza de massa finíssima e sabor delicado. Retornamos com nevoeiro, como quem está mesmo descendo das nuvens. Quando pensei que o passeio já era todo continente, Rodrigo gritou na hora do café de segunda: “Vai querer vitamina Keila?” Eu tinha dito pra ele da vitamina da minha mãe...– “Quero”, respondi...A vitamina tinha o gosto da minha casa, e é essa lembrança do cuidado do menino de Itaipava que tornou o tempo continente.

3 comentários:

Rodrigo Grande Pereira disse...

Keila possui a sensibilidade e a simplicidade para admirar o que há de bom na vida. De comentários econômicos e perfeitos. Uma visita para se receber sem receios.

Monique Carvalho disse...

Keila de doces palavras...
adorável companhia...
doçura no olhar...
um doce de menina!
Beijos, Monique!

Anônimo disse...

Só faltou ME conhecer, não é??? Se eu soubesse da ilustre visita tinha aparecido no "Nas Nuvens"! E uma coisa eu digo: Rodrigo nunca deixa a gente na mão. Se ele marcou, vai aparecer!

Só falhou em só me contar HOJE que vc tinha vindo.

Mas espero ter outra oportunidade de te conhecer. E passarei aqui mais vezes.

Beijo!