segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Crônica da Ilha I: Um embarque desastrado na era celular

A viagem estava marcada. As passagens compradas. Faltava só chegar à rodoviária de Belo Horizonte e seguir rumo à Angra dos Reis, à famosa Ilha Grande. Parecia tudo muito simples, embora a distância fosse significativa e a viagem com jeito de aventura. Foram dias e dias de arrumação, discussões sobre a dormida, as barracas e os colchões de ar; tudo em prol de uma estadia menos desconfortável lá no Camping do Peixoto.

Malas prontas, expectativas, até que chegou o dia. - E aí Keila? perguntou Viviane ao telefone. Tudo arrumado? Ainda não menina; ainda vou terminar. – É, eu também tenho que terminar de fazer as malas, concordou Vi. – E como você pretende chegar à rodo? – Vou de metrô, disse Keila. Ficou tudo acertado; bastava um último telefonema para que pegassem o mesmo trem. Viviane ficava a apenas uma estação de distância. O combinado era: Viviane entraria no metrô, daria um toque no celular e Keila entraria em seguida; assim chegariam juntas para o embarque às oito horas e trinta minutos da noite do dia 28 de dezembro de 2007.

Keila, apressada e pontual, chegou cedo à estação, com pressentimentos de que a amiga não chegaria a tempo, pois já tinha ligado e ela ainda estava tentando preencher os últimos e escassos espaços da mala. Viviane dizia que nunca tinha perdido um ônibus em toda sua vida. Desde a compra da passagem foi uma novela: ela não parecia muito animada; tinha dúvidas sobre o sucesso de uma viagem que só poderia ser concluída de barco, sujeita a náuseas e naufrágios. Mas compraram os bilhetes referentes às últimas cadeiras...por um pouco a viagem não era cancelada ali mesmo...ai...ai...ai...

Na estação Horto, Keila olhava atentamente para o celular e para as horas que não cessavam de passar. Aos quinze minutos para às oito passou o primeiro trem e nada do toquinho do celular da Vivi. Keila ficou visivelmente transtornada. Até que toca o telefone. Era a amiga Sílvia. Ela iria aguardar as duas na estação Lagoinha, ao lado da rodo, para se despedir e dar uma mãozinha com as bagagens, afinal de contas Vivi também estava com dores nas costas. Mal sabia ela, que seria mais que uma despedida. Passou o segundo trem às oito e cinco e nada...Keila pensou: vou entrar nesse pra ver se seguro o ônibus. Entrou. Ligou para Vi e disse: entrei no metrô, vou tentar adiar o embarque do ônibus, não há outro jeito agora. Vivi emudeceu infantilmente ao telefone como quem se sentia abandonada pela amiga, já que o combinado eram ir juntas. Ela nunca tinha perdido um ônibus até então, mas o trem ela perdeu.

Finalmente Keila chegou à Estação Lagoinha onde se encontrou com Sílvia, toda tranqüila e sorridente, e nada da Vivi chegar. Deram oito horas e vinte minutos. Keila, já atordoada, falou com Sílvia: vou descer correndo para ver se conseguimos embarcar. Quando a Viviane chegar ajude com a mala e desça correndo sem respirar que verei o que posso fazer. Enquanto isso, Vivi amargava a angústia de um trem atrasado e, conseqüentemente, de uma viagem perdida e parcialmente paga.

Na plataforma E2, BH-Angra, não havia tumulto algum. Keila esperava encontrar uma fila e gente acomodando bagagens, o que poderia adiar um pouco a saída, mas não...o ônibus já estava para sair. Ela chegou perto do motorista: - Por favor, não dá para esperar uns cinco minutinhos, minha amiga já está chegando, por favor....O motorista olhava para ela sem sequer um lance de comiseração: - Não posso, a fiscalização não permite. Sem sinal de Vivi, Keila decidiu não embarcar, mas antes ligou e falou: tem mais jeito não Vi, o ônibus está saindo. – Entra Keila, entra! Advertiu Vivi – Mas você já está na rodo? – Estou Keila – Então corre Vi....

Keila entrou na cabine do ônibus e em desespero pedia o motorista que esperasse; ele sempre relutante e fiel à tal fiscalização...Com o celular a postos Keila tentava direcionar a amiga que vinha correndo atrás do carro, é claro, com a assistente Sílvia dando aquele suporte de carregadora e timoneira. Saindo da Rodo tinha uma placa de Pare: Vi, estamos na placa de Pare...Tô chegando Keila....Vi, deu a partida de novo..., dizia Keila já aos gritos sob os olhares curiosos do motorista, do assistente e dos transeuntes. E Vi do outro lado com a respiração ofegante e a motivação de todos os rodoviarianos...- Ai Vi, saiu da rodo...não, não...parou no sinal, estamos atrás de um Fiorino...ai meu Deus! Abriu o sinal...Só neste momento, o motorista esboçou algum sinal de ajuda...- Vou parar do outro lado da avenida Tereza Cristina atrás da Viação Cometa. Vivi corria, a porta do ônibus se abriu, e Keila avistou Viviane indo em direção ao cometa...Keila chamou, Vi andou uns passos para trás e se lembrou que o bilhete era da Viação Útil. Ela tinha a sensação que iria até Angra atrás daquele ônibus e até mesmo de um cometa....sorriu aquele sorriso embaçado, seco como um alívio...As duas se confraternizaram na cabine e Haroldo, o motorista, destilou sua frase contraditória: Agora é só alegria! Tudo isto apenas três minutos depois do horário marcado. Keila pensou: há um tempo limite, quase milimétrico, no qual tudo é possível; a tecnologia celular inaugurou uma nova era de tempos, cenas que se comunicam em pleno movimento; será que a ilha nos espera?

Um comentário:

Anônimo disse...

Até que enfim você se rendeu ao mundo blogueiro! Adorei os textos e achei mesmo que deveria compartilhá-los. Já está aqui no meu "favoritos". E espero que nossos trekkings também sirva de inspiração! Bjos Keiloca!