Ei...? Onde você está? A frase se repetia sucessivas vezes; saía pela boca de Gusmão; produzia ecos sem resposta. Enquanto isto, Irene procurava desesperadamente aparecer no visor da máquina digital. Ela era uma bela mulher, nem tanto pelos atributos físicos, mas pelo olhar brilhante e a postura elegante. Ganhara a vida sempre às custas da imagem, tal qual Gusmão. O espaço para a imagem era razoável e o fotógrafo atuava, aparentemente, como recomendavam os manuais de qualquer máquina fotográfica: focalize o objeto com o visor, enquadre–o, reserve espaços relativamente equilibrados no entorno, clique! Irene fazia de tudo, mas cada vez que se colocava no foco sua imagem fugia para os lados, para baixo, para cima, e a angústia se espalhava pelo ambiente.
De repente, um susto: da lente da máquina projetava-se um olho de pálpebras estáticas, negro, sem cílios aparentes; insinuava-se por todos os cantos da máquina como um zoom extremamente flexível; um olho contorcionista procurava Irene. Ela custava entender o que acontecia. Será o olho de Gusmão? Nunca havia visto uma máquina assim...pensava ela. Até que resolveu mudar a tática: e se eu sair do foco? Mas para que lado eu vou? Qual o espaço desta sala estará ao alcance de Gusmão ou será o zoom que me fotografa? – Gusmão? – Sim Irene? – Segure a máquina em uma única posição...vou percorrer todo espaço; enquanto isso veja se eu apareço no visor. – Combinado, respondeu Gusmão, meio incrédulo do sucesso da tentativa da moça.
Irene mapeou o espaço e chegou à conclusão que não poderia esgotar todas as possibilidades, a menos que pudesse voar pela sala, ocupar toda aquela atmosfera. Então começou pelo chão mesmo, mas nunca sabia o quanto deveria de deslocar. Havia também uns móveis, que sofregamente ela afastava para que não houvesse sequer algum lugar em que ela não tivesse se posicionado. – Gusmão? – E aí? – Apareço no visor? – Não Irene...nada...A tensão aumentava, até que Irene, já exausta, foi em direção a ele. – Deixe-me ver se consigo fotografar você. Irene pegou a máquina, colocou-a na altura do rosto Gusmão, clicou; olhou o visor e ficou aterrorizada com o que viu: Era a imagem dela mesma; Irene de sorriso largo, de contornos precisos, o entorno equilibrado...Gusmão não aparecia no visor! Desde aquele dia, o fotógrafo nunca mais conseguiu fotografar, nem a modelo Irene foi fotografada, salvo algumas vezes quando ousou tentar focar alguém.
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