terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Ossinhos

Resolveram fazer a reforma do túmulo da família. Desde o primeiro óbito, o inaugural, a construção pós-mortem tinha recebido uma substituição parca de reboco para não ruir de vez. Essa tal reconstituição não foi das mais bem sucedidas. Ocorreu por iniciativa de um familiar agregado, que tomou as mínimas providências e mandou a conta para os titulares dos falecidos.
O "rebu" se formou. A atitude parecia nobre, mas mandar a conta assim... Foi então que, nos últimos dias, três homens da família Ferreira Alves se puseram a encaminhar o projeto de forma mais efetiva.

Realizaram então uma visita de campo e verificaram que a tumba não estava nada boa; quase um descaso com seus entes de outrora, bem ou mal queridos. Havia rachaduras e ervas daninhas por todos os lados, embrenhando -se pelas frestas e tornando-as ainda mais evidentes. É verdade que os "de cujos" já estavam do outro lado mesmo e embora não soubessem, de fato, que destino esperava os mortos, achavam de "bom tom" fazer o trabalho, já que a eminência do dia final era sempre presente. Além disso, como os executores da empreitada eram os Ferreira Alves mais velhos do clã, talvez já estivessem preparando o seu leito do lado de lá.

Saudades a parte, os falecidos não haviam auferido lucros aos familiares, salvo uma irmã que deixou um apartamento não quitado e umas pequenas economias. Mas ainda assim foram depositados no Cemitério da Saudade e tinham sim admiradores do lado de cá. Lá foram então os Ferreira Alves tratar da questão com a administração da Casa dos Mortos. A reforma era por conta da casa, considerados, é claro, os gostos e as posses dos proprietários.

Deu-se então a segunda vistoria, a da retirada dos restos mortais para verificação da melhor forma de acomodá-los. A idéia era suprimir aquele velho ritual de sete palmos sob a terra por uma "civilizada" urna. Dessa maneira, diriam alguns: "assim ficarão menos sufocados, os pobrezinhos."


De volta ao ar livre, os restos causaram certa decepção e espanto aos espectadores. Havia apenas uns pequenos ossinhos carcomidos, mínimos. Couberam todos, as três pessoas numa pequena caixinha. Ferreira Alves, o primogênito, passou a semana toda incucado com o fim desastroso que havia se abatido sobre os seus. Olhava para as pernas, mais precisamente para a coxa direita e não entendia como o fêmur, um osso tão grande e forte, um dos sustentáculos mais nobres do corpo humano podia ter se reduzido tanto...Tinha ficado pequenino, escuro, prestes a não existir mais.

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