Histórias sempre estão na fronteira; por mais que tentemos acomodá-las elas esbarram no real vivido, ouvido, lembrado; elas esbarram no imaginado, sonhado, criado...por isso evocamos os entrelugares, onde cabem o contraditório, o surpreendente e até o esperado...todos eles permissíveis à intromissão do eu e também à sua ausência, mesmo disfarçada.
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008
Mar vermelho na TV
Focinho comprido vivia num mar de rosas. Acompanhava sua mamãe desde o nascimento junto com um bando de outros pequenos e outras mães. Davam cambalhotas no ar, tudo sincronizado; cantavam música “quebradinha”, com ritmo de conversa interrompida pela água. Um dia desses o mar se anuviou e Focinho Comprido não viu mais sua mãe. Só lá fora do mundo de água, onde ele puxava o ar, ela foi vista. Estava suspensa a pouca distância do barco de homens de olhos puxados. Um arpão atravessava seu corpo generoso e flexível; saía muito sangue. Sua dança não era mais a de poucos momentos atrás; era um contorcionismo incômodo, uma fuga daquele objeto intruso, daqueles seres do mundo de ar. Os olhos puxados tentavam se esconder da lente da câmera; queriam que o sangue da mãe de Focinho Comprido não fosse vermelho. Não houve como disfarçar: a mancha púrpura concentrada estava lá naquele pedaço do mundo de água logo abaixo dela, e Focinho Comprido não cantava mais música de sorriso na água; ficou com medo do mundo de ar. Homens do mundo de ar com olhos de todos os formatos viram o mar vermelho na TV.
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2 comentários:
DEZ! Nota dez!
Todos os textos estão maravilhosos. Parabéns
Beijos, Liza
é...até quando?
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